terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Cidadão do Mundo – o Brasil diante do Holocausto e dos judeus refugiados do nazifascismo – 1933-1948

Por Kelly de Souza

Entre 1933 e 1948, o governo brasileiro emitiu dezenas de circulares secretas que visavam dificultar, ou até mesmo impedir, a entrada de judeus que fugiam do nazismo e do fascismo que dominavam a Europa. A ideia de que o Brasil não é racista pode ser confrontada agora por meio do livro Cidadão do Mundo – o Brasil diante do Holocausto e dos judeus refugiados do nazifascismo – 1933-1948. (Clique no link para comprar.)

A obra, originada da tese da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas (FFLCH) da USP, analisa a trajetória do judeu que começa a ser perseguido na Europa, a partir de 1933 com a ascensão do nazismo na Alemanha. Com a perseguição nazista, esse ‘cidadão no mundo’ foge de seu país de origem e busca rotas de fuga – incluindo o Brasil.
Segundo a professora, a partir da documentação analisada, é possível perceber que os discursos de grande parte dos diplomatas e de um grupo de intelectuais católicos reproduziam as teorias de exclusão nazistas. “Mas aqui vai encontrar receptividade apenas dentro da comunidade judaica. A posição oficial do governo brasileiro é a de descaso para esse ‘cidadão do mundo’, ou mesmo de omissão em algumas situações bastantes críticas. As circulares secretas mostram que a orientação dada aos diplomatas brasileiros era de dificultar ou negar a emissão de vistos para os refugiados judeus”, conta a professora à Agência USP. Uma minoria de diplomatas se mostrou sensibilizada com a situação vivenciada pelos judeus refugiados e raros foram os que se ofereceram para ajudar. O governo brasileiro via esse ‘cidadão do mundo’ como perigoso para compor a ‘raça brasileira’ e também para a segurança nacional.
Mesmo no pós-guerra, a emissão de circulares secretas continuou. Um dos pontos importantes revelados pelo livro é que a partir de abril de 1944, o Comitê Internacional para Refugiados Políticos apelou, por meio de dezenas de cartas, para dezenas de países, pedindo auxílio para salvar cerca de 10 mil crianças judias órfãs, retirando-as da França e Hungria ocupadas. Segundo a professora, um conjunto de documentos pesquisados junto ao Itamaraty revela a morosidade e a insensibilidade do governo brasileiro em assumir qualquer tipo de responsabilidade sobre a situação que exigia rápidas ações humanitárias. “O governo de Vargas impõs uma série de condições para aceitar cerca de 500 crianças. Exigia, dentre outras condições, que elas fossem educadas por pais católicos, de forma a anular sua identidade judaica; não poderiam ter contato com a família de origem; e não deveriam ter mais de 10 anos de idade. Quando o governo brasileiro decidiu oficialmente aceitar as crianças, em junho de 1945 – portanto em pleno governo Dutra – , elas já haviam sido resgatadas graças à ajuda dos Estados Unidos e Grã-Bretanha”, conta.
Maria Luiza diz que apesar dessa postura antissemita e da repressão policial, foi possível identificar movimentos de resistência ao nazismo, que atuaram nos subterrâneos do governo Vargas e que lutaram em prol da Alemanha, França e da Áustria livres, conforme atestam os documentos pesquisados junto ao Fundo Deops/SP, sob a guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Por meio desta pesquisa, Maria Luiza demonstra também que muitos desses judeus tinham posturas políticas liberais e que, entre 1940-1945, fortaleceram no Brasil os movimentos antifascistas.

(As informações são da Agência USP, por Valéria Dias. A foto que abre o texto mostra refugiados judeus no porto de Lisboa, em 1940. A imagem é de Roger Kahan.)

FONTE: Blog da Cultura

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